O Lilah na Índia – Por: Beth Marcondes
“Todos os países que não têm mais lendas serão condenados a morrer de
frio.” (Patrice de La Tour du Pin)
A Índia não corre esse perigo, pois é um país de clima ardente! É um lugar onde cada pedaço do Céu, cada parte do Himalaia, cada caverna, cada situação, cada aspecto do divino e do humano tem uma ou muitas histórias!
Em 2013, recebi do Universo o presente de viajar à Índia pela primeira vez.
Me apaixonei! Um amor de muitas vidas reacendeu meu coração e cada momento foi cheio da presença do novo e do velho conhecido!
Cheio de surpresas e soluções inusitadas, como cruzar com um caminhão numa estrada das montanhas do himalaia, tão estreita que só passava nosso pequeno ônibus, e depois de várias manobras arriscadas dos dois veículos, a passagem acontece!
Um milagre que nos coloca fora do tempo e espaço.
Mágico! Com a certeza de que forças invisíveis orquestram esse encontro!
A Índia é a terra do rio Ganges. Um lugar de muitas cores, muitos sons, sabores, gente, templos, arte.
Muitas buzinas, diferentes veículos transportando coisas, animais, vacas e pessoas.
Lugar de infinitos contrastes; a imensidão de barulhos e a eternidade do silêncio. A vida e a morte como uma celebração diária!
Tudo isso assentado na cultura indiana, que é espiritual e impregna dessa espiritualidade cada átomo do ser e dos acontecimentos. Essa efervescência espiritual da Índia a fecunda com o nascimento de muitos homens santos! E naturalmente a torna um local de inspiração para a prática espiritual.
Um dia de meditação na caverna de Babagi (um santo yogue) equivale a um ano em qualquer outro lugar. Um banho na nascente do Ganges, em Gangotri, limpa o carma de muitas encarnações!
Essas experiências nos lembram das nossas qualidades espirituais e estão impregnadas da energia divina de homens santos, que nunca desistiram de buscar a Verdade!
Num nível muito profundo e infinito de mim mesma, sou grata por esse presente!
Não consigo colocar em palavras a dimensão espiritual daquilo que me foi permitido viver e receber nessa peregrinação.
Há um antes e um depois da Índia; não sou a mesma!
A Mãe Índia
A mãe Índia acolhe todos os seus filhos, como acolheu o povo tibetano em sua fuga do Tibet.
É uma terra compassiva, cheia de devoção!
Na minha lembrança, há muitas imagens das mulheres indianas arrumadas com saris coloridos e belos adornos nos cabelos, trabalhando no campo. Essa expressão da beleza do feminino no cotidiano, como reverência à Mãe Divina, o eterno feminino de Deus, está presente todo o tempo e em cada detalhe.
Ao nascer do sol, escutamos vozes e cantos vindos de várias partes, entoando mantras e o nome de Deus nas suas várias formas: Krishna, Shiva, Om.
Nesse despertar, já não sabemos se a música vem de fora ou de dentro de nós.
A Devoção está no ar e pode ser respirada. É a rede que sustenta tudo o que acontece.
Na Índia, a devoção é o maior valor. Sentimos isso ao chegar no aeroporto, onde as pessoas nos recebem com olhar de humildade e desejo de servir.
Os indianos sabem que a devoção é o caminho mais curto para a transformação, e nos levam de volta à nossa verdadeira casa, a Consciência Cósmica.
A vida na Índia é o que é, simples.
Nem muito confortável, nem muito prazerosa.
Apenas o necessário para que não nos desviemos do caminho de buscar a Verdade.
E foi assim que, no primeiro dia, perdi meus óculos para enxergar de perto. O primeiro recado da Mãe Divina, que, com doçura e firmeza, me dizia para não me apegar a detalhes: poder ver mais longe, sem usar os olhos, sentir o Todo.
Experiência rara no nosso dia a dia, em que vivemos presos ao que é visível e acreditamos que cada situação ou sentimento é tudo.
Aqui começou o meu caminho de sair dessa ilusão e poder enxergar além, num horizonte que nos permite voar.
Para chegar à Índia, percorremos um longo caminho, mas ao chegar não precisamos de livros (eu leio todos os dias antes de dormir), nem manuais, não precisamos ler e nem controlar nada com o poder do nosso ego tão limitado.
O convite é para deixar o coração arder como uma chama, nos abrirmos para a devoção e assim iremos receber TUDO.
A Índia também nos conta que essa vida é uma passagem e que é bom que saibamos para onde estamos indo. Quais as ações necessárias para seguirmos essa jornada da melhor maneira. Como caminhar por essa vida em um profundo trabalho interior, e, quem sabe, chegar à nossa verdadeira natureza o mais depressa possível.
Estar na Índia é uma aventura e podemos escolher olhar para o chão ou para o céu, mas é inevitável a conexão com esse eixo vertical da existência que nos coloca muito além da identidade humana, do papel que assumimos nesta vida.
Muitas bênçãos
Com o coração cheio da devoção, na Índia, as coisas vão acontecendo num clima de otimismo, no qual, ainda que algo dê errado (e lá muitos “algos” dão errado), no fim tudo acaba bem.
Nesse desprendimento do resultado, na entrega que nos faz tão presentes no aqui e no agora, a lei da sincronicidade corre solta!
Jung nos falou dessa lei do Universo, ele tentou várias definições, talvez por dificuldade de expressar em palavras simples algo tão complexo.
“Uma coincidência com significado para a pessoa que a vive.”
Por exemplo, depois de muitos dias nas estradas do Himalaia, falei para o meu marido que, naquele dia, gostaria de comer um sanduíche no subway, e no meio do nada, surpreendentemente, nosso ônibus foi estacionado em um subway.
Coincidência?
Parece que “alguém” escutou meu pensamento, que se materializa quase que imediatamente!
Com certeza isso tem um sentido para mim, que, se não posso perceber nesse momento, vai se revelando no encaixe dos acontecimentos.
Schopenhauer tinha razão ao dizer que
“quando se chega a uma idade avançada e se evoca a vida,
esta parece ter uma ordem e um plano, como se fosse criada por um romancista”
Muitos cientistas e filósofos acreditam que as coincidências provêm de uma ordem superior, de uma inteligência que é a mesma que organiza tudo no Universo.
Será que não é melhor que nos entreguemos para essa força inteligente, que certamente nos conduzirá para o melhor caminho?
Na Índia é assim. Há uma entrega e uma confiança de que há algo além de nós, cuidando de tudo e de todos.
Nesse caminho das coincidências, coincidentemente, no meu grupo de viagem, havia um casal de portugueses, uma médica e um psicólogo que trouxeram o maha lilah e nos convidaram para jogar. Foi assim que me reencontrei (porque eu já jogava o maha lilah no Brasil, desde 2009), com esse jogo na Índia.
Esse encontro me levou a uma nova perspectiva da vida!
Maha lilah (grande brincadeira)
As escrituras sagradas da Índia nos contam que essa vida é uma grande brincadeira.
Deus, a Consciência Cósmica, resolveu brincar e se multiplicou em muitos. Criou, a partir de Si mesmo, cada um de nós. Assim, nos sentimos temporariamente separados dessa Consciência Original.
Essa Consciência se reflete em nossa mente, na sensação de que sempre falta algo.
Por mais que alcancemos o sucesso nas realizações materiais, a felicidade que sentimos não é a esperada e vem acompanhada da sensação de que talvez estejamos procurando no lugar errado, que pode existir em nós um lugar pouco explorado, além das aparências e do visível.
Essa sensação se transforma na força que busca e gera em nós o desejo do autoconhecimento.
O maha lilah é o jogo do autoconhecimento.
O propósito do lilah é nos ajudar a conhecer o caminho para nos libertarmos das identificações com os papéis que assumimos nessa vida.
E foi na Índia que despertou em mim o desejo de estudar e conhecer mais esse jogo.
Hoje, após alguns anos de estudo e prática, posso dizer que o tabuleiro, em suas 72 casas, reflete questões desta vida, como ilusão, raiva, cobiça, vaidade, confusão, alegria, clareza de consciência, relacionamentos, realização etc., e ainda nos dá dicas e ferramentas para lidar com elas.
Nesse caminho, passo a passo, vamos nos percebendo mais profundamente e descobrindo maneiras de transformar nossos padrões negativos. Encontramos novas maneiras de estar no mundo com mais consciência.
O maha lilah é uma forma de yôga
“A qualidade inerente ao homem é a divindade.
Ela tem que ser descoberta por ele por esforço próprio.”
Sai Baba
Nessa jornada que é redescobrir nossa verdadeira natureza, superar o erro de acreditar que somos aquilo que parecemos ser (um corpo, uma mente, uma pessoa com nome, nascimento e morte), o yôga é um caminho que pode nos levar ao infinito em nós.
Praticar yôga é uma jornada de cura, jogar o maha lilah também.
O maha lilah é o yôga das espadas e serpentes.
O yôga e o maha lilah nos colocam no momento presente.
Nos trazem experiências de percepção além da mente, superando a limitada régua intelectual de 30 cm, com a qual saímos medindo tudo e reduzindo cada experiência a quase nada do que realmente é. Reduzimos tudo a ideias e pensamentos.
“Tentar mudar o mundo sem mudar a nossa mente
é como tentar limpar o rosto sujo que vemos no espelho
esfregando o vidro.” Chagdud Rinpoche
O yôga e o maha lilah nos tiram da estreiteza da mente.
Nos ajudam a remover os véus da ilusão e nos devolvem o acesso à verdade da nossa natureza.
Nessa vida, resistir ao que está acontecendo no momento cria uma tensão que torna os acontecimentos maiores do que são. E isso nos faz levar a vida muito a sério.
E daí todos os acontecimentos, pensamentos e desejos se tornam muito importantes e mais uma vez somos envolvidos e enganados por essa materialidade aparente e temporária!
Ao nos rendermos ao que quer que a vida nos apresenta no momento, podemos enxergar além da forma – o que existe por trás das aparências. Deixamos de depender dos fatos que estão acontecendo. Nos abrimos para a dimensão vertical da vida, mergulhamos nas profundezas.
E nas profundezas descobrimos o mundo de verdade, aquele que sempre existiu, que existe independente do que está acontecendo.
O yôga e o maha lilah nos colocam nesse eixo vertical da existência: a conexão do Céu com a Terra.
Nesse momento, nos desapegamos dos fatos e circunstâncias externas. Deixamos de olhar para fora, vamos para dentro e com os olhos da intuição podemos conhecer a verdade.
E então, não importa o que aconteça na nossa vida, estamos ancorados Naquele que é imutável.
Vencemos o espaço, a verdade está no espaço interior e agora, unidos à verdade, nos tornamos uma lente que a reflete. Já não precisamos ir a lugar nenhum.
No yôga e no maha lilah descobrimos que a Índia é aqui.