” Haverá outro modo
de salvar-se?
Senão o de criar as
próprias realidades?”
Clarice Lispector
O Maha Lilah é um jogo de autoconhecimento criado pelos sábios na Índia antiga, com a
finalidade de trazer o homem para dentro de si mesmo, ao encontro da sua verdadeira
essência.
É ao mesmo tempo o conhecimento de si mesmo e do Universo em que vivemos, com as
regras que dão forma e sentido ao jogo da vida.
A base do Maha Lilah é a Bhagavad Gita, um tratado de Yoga e uma das escrituras mais
sagradas da Índia.
A Bhagavad Gita é uma conversa entre Krishna e seu discípulo Arjuna. “Interpretado
em termos metafísicos, o yogue (Arjuna) busca aprender com a Consciência
Cósmica nele (Krishna) acerca das razões do entrechoque entre Natureza e
Espírito, corpo e alma, diametralmente opostos.” Gita cap XIII. verso 1.
Durante esse diálogo é exposto o caminho do yoga, através do qual Krishna ensina
Arjuna a vencer a batalha descrita na história da Gita, que é, na verdade, uma luta
interna entre a consciência restrita do mundo material e a Consciência Espiritual que
nos leva à verdadeira felicidade.
“A verdadeira batalha é interior: a guerra espiritual entre a sabedoria e a ignorância,
o combate psicológico entre a inteligência e a mente (consciência dos sentidos), e a
luta corporal entre o autocontrole e a indulgência prejudicial em relação aos
sentidos. Esse conflito é delineado ao longo dos 18 capítulos da Bhagavad Gita.”
Gita XII verso 1.
A filosofia da Gita ao invés de nos encorajar a nos afastarmos do mundo, transforma a
nossa vida em um caminho de cuidado com o corpo, mente e espírito. Nos mostra a
necessidade de renunciar aos apegos que nos impedem de encontrar a Verdade; desistir
da identificação com o ego, que tenta controlar os resultados das nossas ações, e abrir
mão do medo de cometer um erro, de parecer tolo, que se ocupa em proteger uma
imagem de fazer o “certo”.
A Gita descreve uma série de práticas que, juntas, formam um yoga completo para
vivermos nossa vida como um ato espiritual.
Na maioria das vezes pautamos nossas vidas pela relação que temos com aquilo
que nossos cinco sentidos despertam em nossa consciência, deixando-nos guiar
por uma torrente de percepções externas, sempre “para fora”. Essa é uma
percepção limitada da existência; acaba nos prendendo, e sufocando as aspirações
espirituais que existem dentro de nós.
A Gita delineia uma vida de Yoga que fortalece nosso Eu observador, ampliando a
dimensão material e espiritual em nossa vida.
“Quando as dúvidas me assaltam, quando os desapontamentos me encaram e não vejo
nenhum raio de esperança no horizonte, volto- me para a Bhagavad Gita e encontro um
verso que me conforta; imediatamente começo a sorrir em meio a uma tristeza
avassaladora. Aqueles que meditam sobre a Gita, nela encontrarão uma alegria renovada e
novos significados a cada dia.”
Mahatma Gandhi
Em qualquer momento da vida, a Gita trará luz na direção que devemos seguir.
Todo o conhecimento do Cosmos está condensado nesta escritura, do Micro ao
Macrocosmo.
Esse microcosmo é apresentado no Maha Lilah , que tem como objetivo despertar o
jogador da identificação com seus papéis na vida.
O jogo traz em suas 72 casas do tabuleiro esse conhecimento do Yoga.
O Maha Lilah é uma forma de Yoga.
O tabuleiro com suas 8 linhas de 9 casas cada uma, representa os chakras.
Chakra em sânscrito significa “roda” ou “disco”, e denota um ponto de intersecção entre
as energias densas e sutis presentes no nosso corpo, mente e alma, que estão interligadas.
Os 7 chakras principais estão inseparavelmente relacionados entre si e cada um deles
influencia o outro.
Essa interação por sua vez cria padrões da nossa mente e consciência e ainda tem
influência nas nossa relação com os outros e nossas atividades no mundo exterior.
Então, os chakras se convertem numa lente por meio da qual é possível examinarmos
nossa vida, enxergarmos a maneira como nossa mente funciona e percebe o mundo.
Assim é também no tabuleiro do Maha Lilah, suas 72 casas distribuídas em 8 linhas
horizontais, com 9 casas cada uma, onde cada linha representa um chakra e a oitava linha
está além dos chakras; se torna um mapa de estudo de si mesmo, um mapa da
Consciência.
Num organismo vivo, a energia se move de uma fase à outra desde o nascimento, da
infância à adolescência, da juventude à velhice, “de chakra em chakra”, com mudanças
observáveis na maneira de pensar, lidar com as complexidades da vida e agir; assim é no
jogo Maha Lilah.
Nas três primeiras linhas do jogo estamos mergulhados em uma energia mais densa,
ocupados em cuidar do corpo, da sobrevivência, das polaridades, dominados pelas
circunstâncias externas, em busca de prazeres, poder e autonomia.
A partir da quarta linha do jogo, no chakra do coração, a busca de equilíbrio no
relacionamento consigo mesmo e com os outros se torna o foco.
A energia do amor se manifesta através da amizade, respeito e aceitação de si mesmo e do
outro.
Nas três linhas acima do chakra do coração , as questões que ocupam a consciência são
mais sutis e envolvem o Todo, determinando um sentir, um pensar e um agir menos egoísta.
Aqui está presente a percepção de que estamos todos interligados, a separação é uma
ilusão; o que uma pessoa faz reverbera em tudo e em todos.
Estamos mais próximos da casa da Consciência Cósmica, onde acontece a cura da
fragmentação e da ignorância da Unidade que somos.
Neste caminho de subida da energia dos chakras básicos aos chakras mais sutis,e descida
do sutil ao mais denso, experimentado no Maha Lilah, há uma desidentificação dos papéis
que desempenhamos no jogo da vida.
O dado nos leva pelas casas do tabuleiro, com a força da sincronicidade (o princípio que
rege esse jogo e o próprio jogo da vida). Ganhamos uma maior compreensão da
experiência que estamos vivendo no momento.
Vamos desenhando um caminho que revela nossos padrões negativos, nossas crenças
errôneas; essas descobertas são sustentadas pelas 10 serpentes do tabuleiro que
representam nossas sombras.
Ao cairmos em uma serpente, entramos em contato com dores reprimidas e deixadas de
lado, algumas vezes desde a infância.
O eu sombrio, nosso eu mais obscuro, é onde está escondido nosso poder esquecido.
Fomos condicionados a temer o lado mais obscuro da vida, assim como o nosso. Ignorar
esse lado intensifica seu poder e influência nas ações do nosso dia a dia.
A serpente nos convida a olhar para isso, integrar aquilo que dói e que muitas vezes nos
prende na reatividade e em círculos viciosos de mais sofrimento.
As serpentes são oportunidades valiosas de despertar dessas ilusões. No jogo, elas são o
grande portal do conhecido para o desconhecido, trazem a ampliação da consciência, nos
tiram das concepções errôneas, limitadas, dos bloqueios de sentimentos, nos levam à
consciência de uma verdade maior.
As serpentes nos contam da ligação inseparável entre a sombra e a alma, o direito e o
avesso que tece a colcha da nossa condição humana.
Não há ninguém que não tenha um lado sombrio!
Compreender a sombra, no Maha Lilah iluminada pelas serpentes, cria uma nova realidade
na nossa relação com a vida.
Em contrapartida as espadas representam nossas qualidades mais elevadas, recursos que
se disponibilizam em determinado momento do jogo para elevar nossa vibração de energia,
nos conectar ao que há de melhor em nós mesmos e usar nosso livre arbítrio para fazer a
escolha mais acertada em relação à questão em jogo.
As espadas encurtam o nosso caminho, iluminam nossas maiores virtudes, nos trazem
clareza de consciência e novas possibilidades.
Aspectos Terapêuticos do Maha Lilah
Ao jogar o Maha Lilah, ele vai se revelando nos seus aspectos terapêuticos.
Em primeiro lugar, ele é um objeto intermediário, que como definiu Winnicott, cria um
espaço de experiência a partir de um objeto lúdico, o jogo.
Um objeto que se localiza fora, dentro, na fronteira…que permite uma experiência de criar,
imaginar, se relacionar nesse espaço transicional com o novo, além das palavras e das
velhas histórias conhecidas que contamos para nós mesmos repetidas vezes.
De mais a mais, jogar o Maha Lilah nos coloca na área de experiência do brincar, definida
por Winnicott como “… um espaço potencial do entre. Em outros termos , é a brincadeira
que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento, … o brincar está a
serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros.”
D.W. Winnicott
Continuando na energia do brincar… Lilah quer dizer brincadeira, a Gita nos conta que essa
vida é uma grande brincadeira e que não deveríamos levar tão a sério o papel que criamos.
É brincadeira!
Jogar o Maha Lilah nos aproxima dessa natureza lúdica e criativa do brincar; que é também
a nossa verdadeira natureza!
Depois, o jogo vai nos contando sobre nós, de uma maneira precisa, corajosa e verdadeira.
Ancorado na força da sincronicidade, “magicamente” nos mostra o que pensamos e
sentimos naquele momento, que não somos o papel que desempenhamos, e que nem
sempre a nossa boa vontade é tão genuína quanto fazemos parecer…É profundamente
transformadora a experiência desse “diálogo” interno entre nosso eu inferior e nosso Eu
superior, construído através das casas por onde vamos passando.
Além disso, o conhecimento que está por trás do jogo, a Bhagavad Gita, como já dissemos,
permite um aprofundamento de qualidades da nossa mente e consciência que ignoramos e
que foram esquecidas desde o nascimento no jogo da vida.
Por exemplo o orgulho.
Das ilusões que nos prendem, talvez a mais dissimulada; nos impede de vermos quem
realmente somos.
O orgulho cria internamente uma não aceitação da própria sombra e uma necessidade
obsessiva de manter um status de superioridade, que nos aprisiona nessa ilusão a nosso
próprio respeito e nos faz transferir o mal para os outros, onde é menos penoso verificá-lo.
A maior serpente do Maha Lilah está na casa 63, é Tamas, nos leva à ilusão, na casa 2, no
início do jogo.
Aqui o jogador que está bem perto de chegar à Consciência Cósmica, na casa 68, se
entrega à acomodação, à sensação de que já fez tudo,que não há mais nada a fazer.
Aqui ele pára sua busca espiritual, acredita que já fez o bastante e pode se acomodar.
Muitas vezes sente orgulho de chegar onde chegou e é fisgado na ilusão de que foi graças
a ele mesmo, aos seus esforços que subiu tão alto.
Essa ignorância o leva à casa 2, onde ele terá que refazer o caminho da primeira linha do
jogo, passando pela raiva, cobiça, sobrevivência, percepção limitada, vaidade , orgulho,
presunção e avareza, todas as amarras que nos prendem do lado de fora de nós mesmos.
Um terceiro ponto terapêutico fundamental é a percepção de que “Ser” humano é um
aprendizado, é verbo. É uma ação resultante de um caminho que acontece por uma
escolha e clareza de consciência, possível somente a partir da quarta linha do jogo: o
coração.
Ao nos tornarmos Seres humanos, alcançamos a dimensão espiritual, que verdadeiramente
somos e que está tão encoberta por camadas e camadas de ilusão desde que nascemos no
Lilah.
A Bhagavad Gita, o Yoga e o Maha Lilah
Finalmente, a Gita, o Yoga e o Maha Lilah são partes do caminho que nos leva à
Consciência Cósmica, de volta à nossa fonte, ao despertar na nossa verdadeira natureza!
Experimentar no dia a dia mudanças e ajustes que venham dessa Sabedoria integra nossos
“vários eus.” A experiência de unificação leva ao término da batalha interior, permite
criarmos novas relações com as pessoas e o mundo, mais autênticas, verdadeiras e
divertidas.
Com a alma em guerra, como poderíamos ter um relacionamento saudável com alguém?
Como podemos relaxar e nos entregar ao fluxo da vida de uma maneira viva e criativa?
Como podemos estar presentes se estamos trancados do lado de fora, tentando prender e
esconder nossas dores e vazios do lado de dentro?
Como podemos criar o novo se estamos na obstinação do controle, na tentativa de manter
tudo como está?
A vida é relacionamento.
E nossos relacionamentos são reflexos de como nos relacionamos com a gente mesmo,
com nossos sentimentos, pensamentos e ações.
As pessoas que agem sempre da mesma forma são as que se recusam a mudar o
pensamento.
” Nós somos o que pensamos ser. A inclinação habitual de nossos pensamentos determina
a personalidade, os talentos e as habilidades que temos. Assim, alguns pensam que são
escritores ou artistas, empreendedores ou preguiçosos, e assim por diante.
Mas e se você quiser ser diferente do que pensa ser agora?…Então seja quem for que você
deseja ser, comece a desenvolver esse padrão agora.”
Paramahansa Yogananda
O caminho da Gita, o yoga e o Maha Lilah é uma jornada de cura. Acontece pelo
desenvolvimento da mente, do corpo e do espírito através dos chakras.
Essa jornada não é simplesmente uma questão de compreender, mas de integrar essa
compreensão em todas as atividades da vida, em todos os níveis.
Nossa meta é equilibrar esses diferentes níveis de energia que pulsam no nosso dia a dia
nos movimentos de expansão e contração, presentes em cada parte da Natureza, em cada
parte de nós.
Perceber essas duas correntes:
A energia de Limitação acontece nos atos criativos do cotidiano, na manifestação das
diversas formas de ser.
E a energia de Liberação acontece na entrega ao sutil, à abstração, quando nos movemos
em direção à Consciência , além da forma.
E ainda, compreender que tudo o que existe no Macro e no microcosmo é criado na
atividade e na mistura em diferentes combinações dessas duas energias, é uma abertura
preciosa para a experiência de Ser humano.
Essa é a cura que buscamos nesse caminho.
Convidamos você a estar conosco nessa brincadeira!
” Será que é tempo
Que lhe falta para perceber?
Será que temos esse tempo
Pra perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara,
tão rara…”
Lenine
Beth Marcondes
Elma Martins